Nova recomendação do Ministério da Saúde sobre rastreamento da doença causa reação de especialistas

Há cinco anos, o professor, ator e palhaço Marlos Pedrosa, de 61 anos, passava por um tratamento para retirada de pedras dos rins e decidiu consultar um segundo profissional sobre o seu caso. “Passei por uma consulta em outra clínica, onde pedi um check up. No exame de toque, o médico encontrou algo e pediu que fosse feita uma biópsia, que apontou um tumor benigno na próstata”, conta. Na época, ele tinha 55 anos. “O urologista disse que eu ainda estava jovem e, por isso, recomendou a cirurgia. Não precisei passar por radioterapia nem quimioterapia após a retirada”, conta.

Incentivar exames de rotina como o feito pelo Marlos tem sido, há tempos, o alvo da campanha Novembro Azul. Entretanto, este ano, o rastreamento do câncer de próstata se vê em meio a uma polêmica. De um lado, o Ministério da Saúde emitiu nota onde com uma contraindicação à realização do rastreamento (exames para a detecção precoce). De outro, entidades médicas e especialistas da área defendem a importância dos exames periódicos.

O rastreamento precoce é feito através de dois exames: o toque retal e a dosagem pelo sangue da PSA, que é um proteína produzida pelo tecido da próstata e que aumenta nos casos de tumores.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou recentemente que “não há recomendação para rastreamento do câncer de próstata, uma vez que as evidências atualmente disponíveis apontam para balanço desfavorável entre riscos e benefícios para a saúde dos homens.” A informação se dá devido aos casos de tumores menos agressivos na próstata, que têm menor risco de evolução e que, ao serem detectados precocemente em pacientes assintomáticos e tratados por meio de cirurgia, podem gerar prejuízos, como impotência ou incontinência urinária.

A recomendação foi repudiada pela Sociedade Brasileira de Urologia. “O rastreamento reduz de forma significativa o risco de diagnóstico de doença na fase metastática, a qual proporciona elevados custos de saúde e traz grande perda de qualidade de vida e sobrevida a homens que poderiam ter sido diagnosticado e curados nas fases assintomáticas da doença”, informou a entidade em nota técnica.

Membro da Sociedade Goiana de Urologia, o médico Rodrigo Lima diz que a recomendação do Ministério da Saúde desestimula o diagnóstico precoce, o que pode gerar um aumento do número de casos de metástase. Ele explica que esta conduta foi tomada em 2012 nos Estados Unidos e o país viu o número de casos graves da doença quase triplicar. “O estudo que havia embasado a medida foi revisto e, em 2017, eles voltaram atrás”, afirma.

O urologista explica que, de fato, há casos de tumores na próstata que são leves e o paciente pode viver com a doença a vida toda, sem repercussões. Mesmo em situações como essa, o especialista defende que saber da condição é um fato benéfico. “Nesta situação, em vez de tratamentos ou cirurgias, nós fazemos a vigilância ativa, que é um monitoramento com maior regularidade para acompanhar se há evolução da doença.”

Rodrigo reconhece que a cirurgia pode, em alguns casos, causar algum efeito colateral, mas diz que o procedimento só é recomendado em casos específicos. “Além disso, as técnicas vêm melhorando a cada dia”, diz o especialista, que é cirurgião robótico com pós-Graduação no Hospital Israelita Albert Einstein.

Um ponto de alerta do câncer de próstata é que ele é assintomático entre 70% e 80% dos casos. “Quando apresentam sintomas, normalmente a doença já se espalhou para outros órgãos em até 95% dos casos, portanto, o diagnóstico precoce aumenta as chances de cura, com menos efeitos colaterais”.

De acordo com o médico, 10% dos casos de câncer de próstata só podem ser apontados pelo toque retal. “Por isso, nós reforçamos que é de extrema importância fazer o exame a partir dos 50 anos de idade, ou a partir dos 45, se houver casos na família, fazerem a prevenção”, recomendou.

Características

A próstata é uma glândula presente apenas nos homens, localizada na frente do reto, abaixo da bexiga, envolvendo a parte superior da uretra, que é o canal por onde passa a urina. Em homens jovens, a próstata possui o tamanho de uma ameixa, mas seu tamanho aumenta com o avançar da idade. A sua função é produzir um líquido que compõe parte do sêmen, que nutre e protege os espermatozoides.

O câncer de próstata é o mais frequente entre os homens, atrás apenas do câncer de pele. No Brasil, estima-se que 71.730 novos casos por ano para o triênio 2023-2025. Na maioria dos casos, o tumor cresce de forma lenta e não chega a dar sinais durante a vida nem a ameaçar a saúde do homem, segundo o Ministério da Saúde. Em outros casos, no entanto, pode crescer rapidamente, se espalhar para outros órgãos e causar a morte, efeito conhecido como metástase.

O primeiro fator de risco para a doença é a idade. Aproximadamente 62% dos casos são diagnosticados em pacientes acima dos 65 anos, e essa incidência vai aumentando a partir dos 50 anos. Apesar de mais frequente nessa faixa etária, a doença pode ocorrer próxima dos 40 anos. “Nota-se que, quanto mais jovem o paciente com aparecimento do tumor, mais agressivo é o câncer”, explica Ney Clayton Bueno Barbosa, médico urologista.

O histórico familiar é outro fator importante. “Homens que têm pai, avô, irmão e, em menor grau, um tio que tenha tido câncer de próstata antes dos 60 anos de idade, possui o risco aumentado”, explica. Sobrepeso e obesidade também estão relacionados. “A ingestão excessiva de carnes processadas e embutidos em geral aumenta a incidência”, comenta o urologista.

Preconceito

Por causa da natureza da doença e do tipo de exame, barreiras como o preconceito ainda são um desafio. “Mesmo com o avanço que tivemos nos últimos anos em relação à conscientização, muitos mitos e medos ainda pairam no ideário da nossa população”, diz o urologista Bernardo Barreira. “Ainda é comum ouvir no consultório frases como ‘prefiro morrer a ter de me submeter ao exame do toque’ ou ‘não quero saber se tenho câncer de próstata, pois se tiver de operar, perderei minha potência sexual’”, diz.

Ele esclarece que o exame de toque retal é rápido, indolor e dá ao urologista muitas informações a respeito da saúde da próstata. “Já a cirurgia para câncer de próstata tem, sim, uma chance de piorar a função sexual, mas ela é pequena, principalmente se comparada com o benefício esperado, que é a cura do câncer.”